Sunday, February 12, 2006

Mais vale o poço da morte que tal sorte


Parece que tudo à minha volta acontece numa rotação bem mais baixa. Acelerada no tempo frio de um Inverno escuro e adormecido, perco-me a cada esquina do que encontro. Não sei comportar-me como as folhas que esperam pacientemente a primavera que nasce, eu broto a cada lufada de era quente, a cada toque, a cada entrega. E não pode ser fácil, nunca pode ser fácil. Se for fácil nascer de novo, banaliza-se a morte e morremos a cada adversidade. Tudo a cada degrau de conquista tem que ser difícil, escolhe-se a época de seca, para que a vida que nasça seja mais preciosa, arrasta-se o melhor do pedaço de corpo que nos é mais querido e doa-se em nome do que queremos mas não temos, recolhem-se as garras e adormecem-se os fantasmas, entrega-se ao que não temos o que perdemos na humildade do que queremos ser, planta-se com perícia o fruto do que conquistámos, peneirando o que nos afasta em desejo e atira-se ao campo de cultivo os géneros. Espera-se. O truque é cuidar, adobar com o azul de um olhar vivo, respeitar a distorção do crescimento alheio e se cresceu torto, servir de estaca nas intempéries e aparar as quedas em pétala, passando encoberta no esplendor do tecto azul derramado sobre a banca comum do espelho dourado. E deixar correr, deixar correr as águas para que tudo se recomponha e acorde para a vida, com direito à espreguiçadela da praxe, enrolado no brilho do que não vemos, mas que responde presente sempre que olhamos para trás. Quero a primavera e planto fora do tempo comum, em terras agrestes, secas, que nunca viram água limpa. As águas que conhecem a terra onde quero cultivar passaram de leve, não a marcaram, foram moldadas mas não moldaram e a terra continua feito estatua de estanho, dura e imutável. A água não entra e chora a resistência que encontra. Quer parar de correr, quer ser aparada entre os dedos da partilha, envolvida pelo bailar réptil da entrega e confiar. Quer deixar de correr, mas continuar envolvida na vontade de encontrar. Quer descansar mas não quer morrer, morta evapora-se escorregando na liberdade e mais vale o poço da morte que tal sorte. Teimo em crescer na primavera verde e continuo a correr da vida ou talvez pela vida que quero encontrar...

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