Wednesday, January 25, 2006

Expressão



Dói-me o acordar diário. A luz fere-me os olhos. Se me fosse permitido ficariam fechados dia e noite. E de olhos fechados não paro. A fase REM do meu sono é constante. REM mas não muito, porque não saiu do mesmo lugar. Continuo aqui, não sei onde, completamente perdida.

Perfumo-me todos os dias. Cubro-me de um novo cheiro. Um cheiro que não é de ninguém, ainda está por descobrir. Coberta de perfume passo camuflada. Embebida num agradável odor conservo-me deste lado. Do lado dos que parecem vivos, do lado dos que se parecem importar. Engano quem me olha, mas não quem me conhece. Quem me conhece e se dá ao trabalho de reparar, repara.

É gritante o desmazelo. Não me penteio. Cabelo sempre preso, atado a ele mesmo. Consta que é bonito. Não é de ninguém, mas também não é meu. Perdi-o! Perdi-o para quem não o quis. Puni-o! Puni-o pela leviandade e anda preso na solidão dos dias. Se não vê quem quer ver, não vê, nem é visto por mais ninguém. Enrolo-o, convictamente, sobre ele mesmo, dá volta sobre volta, enleado em minhas mãos, cobrindo os dedos que o prendem e gritando revolta, compaixão. Mas imune ao apelo, continuo. Continuo o massacre, espeto-o com um pau, também ele torneado, da direita para a esquerda e de cima para baixo, de forma a que fique firme. Firme e cego, para que não mais se perca de amores por alguém. Espeto-o e guardo-o para ti. Tem dono. Está reservado. É teu. A dádiva ficou acordada no dia em que me despedi. Mais uma despedida. Despedi-me e chorei, chorei com calma, sem desespero, chorei repleta de dor…

Não me maquilho. Não me apetece, as olheiras combinam comigo. O olhar é escuro, sem brilho. Os olhos são verde acinzentado, não são verde azeitona, não são verde tropa, não são verde água, gosto de acreditar que são verde-mar, verde-mar de Inverno. Ganharam uma nova circunferência e terminam numa aura negra. As encostas prendem-nos e não nos deixam respirar. Estamos em anoxia e quando acordarmos do pesadelo não vamos ser os mesmos. Estamos vazios. Vê-se o fundo de tão cheio de nada. Nem o bendito do rímel me toca, porque esfrego imenso os olhos. Esfrego os olhos incrédula com a vida que levo, melhor, com os restos de mim que a vida teima em arrastar. Espreito, espreito fora o que quero ter dentro e não sinto. Não sinto a distância a que estou, porque não estou, nem sei quando volto.

Sinto-me proibida. Proibida a estranhos. E hoje todos me são estranhos...

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