Thursday, December 22, 2005

Os amores comem-me pedaços...


... as feridas sangram, eu não consigo sobreviver e morro aos poucos. E perco-me de mim. E a vontade é de desistir. E a vontade é de me entregar.

... o ataque do tubarão é certeiro, sem aviso, e rouba-me pedaços vitais. E eu já fui amor e de bom grado seria presa. E eu não sou predador, mas ele foi, é e sempre será. E no amor ama-se mais o próximo do que o próprio e o sofrimento espelhado é insuportável. E eu amo assim, mas não sou amada assim. E o amor não tem definição. E o amor é para mim aquilo que não é para ti, não é, nem tem que ser.

...somos dois, mas já ambicionamos a ser um. E de bom agrado deixaria que te alimentasses de mim. E de coração seríamos comensais. E poderias devorar-me a todo o instante que nunca me sentiria ferida. E se ferida e feliz, então ferida. E cresceria carne nova e fresca para que dela te alimentasses. E eu não sou, nem nunca serei, capaz de te roubar pedaço. E seríamos um só.


...devo ter um qualquer problema de coagulação, porque sangro em grande quantidade e durante muito tempo, porque não saro, porque me custa ultrapassar. E dói mais quando não percebo. E dói mais quando fui eu. E dói a suposta normalidade aparente. E dói o silêncio. E doem os “nim”. E dói a distância imposta. E dói tudo, dói-me tudo quando nunca me dói nada.

...és um tubarão velho, com várias investidas na história, com muita história na minha vida, com muitos pedaços de mim. Os pedaços que me comeste são teus, arrancados, mastigados, engolidos e digeridos com o prazer que o momento impunha. Irrecuperáveis, teus para sempre e parte integrante do teu ser, do teu corpo. Não me faças sentir que foram perdidos. Não me faças sentir que morri mais um pouco por ninguém. Não nos desacredites mais do que quando nos trocaste pela estabilidade. Não desacredites mais a diferença que continuo a sentir no que somos juntos. Por favor, não me desacredites apelidando o que tivemos, temos ou poderíamos ter tido de potencial relação saudável e normal.

.... Eu gosto de amores assim, que me devoram como se não houvesse amanhã. Amores em que acredito e que me deixam de rastos quando não são. E este amor é antigo e resistiu ao tempo. E este amor eu sempre vi e nunca acreditei. E quando vi e acreditei deixei de ser vista. E o amor perdeu-se. E o amor partiu e nem lutou. E o amor só é amor se eu o continuar a acreditar mesmo depois de impossível, se o viver mesmo depois de morto, se não o esquecer a cada segundo do meu tempo. E eu sou assim porque este amor é assim, grande. E ainda que depois e não há depois, porque este amor não é ultrapassável, não tem barreira, e ainda que para sempre tenha que apanhar os pedaços desprezados no fundo do mar, que não serviram de alimento a ninguém, eu acredito e vou sempre acreditar, por isso sou uma clara sonhadora.

... comem-me pedaços e não deve ser saudável, mas não faz mal porque eu sou claramente uma sonhadora e nunca vou deixar de acreditar...

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Lindo...

22 December, 2005 03:07  

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