Wednesday, December 07, 2005

Segundo fatal


Eu sei que a minha profissão tem destas coisas. Eu sei que corremos alguns riscos. Eu sei que estas coisas acontecem, mas é tão estúpido e mete tanto medo. É tão estúpido pensar que podemos perder a vida ou a qualidade da mesma num segundo. Que podemos ficar eternamente infectados por uma merda qualquer que uma qualquer pessoa transporta consigo. Ou que a eternidade, para quem acredita nela, pode chegar mais cedo, por causa de muitos segundos de cansaço ou por castigo. Castigo porque sou ruim. Castigo porque tudo nos corre mal quando criticamos quem amamos. Castigo porque o desgosto traz incompetência e distracção, pelo que eu não deveria estar desgostosa, tenho responsabilidades e responsabilidades valentes. Castigo porque uma merda é uma merda e uma merda nunca vem só. Castigo porque a vida não é fácil e tem dias piores. Onde estão os melhores que não passam por mim? Castigo porque tudo corre mal quando tem que correr mal ainda que nos esforcemos para que aconteça o contrário.

Tenho que abrir o olho quando estou a fazer qualquer coisa, para meu azar tenho que ter os olhos abertos para ver, porque se pudesse encerrava-os com força sempre que tivesse que fazer algo. Se os encerrasse não me infectava com nada que esguichasse de qualquer vaso durante qualquer técnica. Não deixava entrar muito do que vejo e me magoa. Deixava de ver sapatos que não são meus arrumados em armários ou casacos com pelo pendurados em roupeiro e casaco com pelo não é definitivamente meu. Ai de quem matar bichinhos à minha frente! Deixava de ver o mundo e pode ser que o mundo me deixasse de ver. Podia ser que passássemos a ser ilustres desconhecidos. Podia ser que eu pudesse começar de novo. Podia ser que tudo fosse diferente. Podia ser que eu hoje fosse feliz. E que sendo feliz errasse menos. E que sendo feliz fizesse melhor. E que sendo feliz não ficasse tão triste com a eventualidade de surgir mais qualquer coisa contra a minha felicidade. Quem quereria partilhar a vida com uma loira amaldiçoada, marcada pelo diabo com sardas nos olhos e infectada com uma qualquer merda. Quem? Ninguém. Esta é uma resposta óbvia.

Acima de tudo tenho medo. Medo do que o destino me reserva. E se o destino for ficar infectada com uma destas doenças que fazem a primeira página de tantas revistas? Que motivam tanta gente para a criação de tantas associações? Que movem as gentes, no sentido do cooperativismo, da solidariedade ou as empurram para uma qualquer campa, num campo baldio, de uma qualquer aldeia alentejana, que nem vem no mapa. Ser enterrada debaixo de um chaparro não me parece mal de todo. Mas que seja rápido. A morte. Que não me traga mais sofrimento. Estou cansada, muito cansada.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Nunca gostei de trancas na porta. É uma postura que tenho na vida, como outra qualquer. Prefiro definitivamente ser roubado a pôr cadeados, a olhar pelo canto do olho, a prestar atenção aos passos que me seguem naquele beco escuro, a ter cuidado com aquela pessoa que facilmente me entrará pelo coração a dentro e o deixará de pantanas.
Há dias, a propósito de uma minha incauta atitude, levei uma valente reprimenda de uma amiga. Soube-me bem... Estava realmente preocupada comigo. E soube-me bem porque me sabe bem tudo o que me faz reflectir

11 December, 2005 12:58  
Anonymous Anonymous said...

nos meus modos de estar e pensar a vida. Nunca somos só nós que estamos em causa; existem também todas as pessoas à nossa volta que nos amam. A nossa casa é tambem a delas e se a roubarem serão elas também prejudicadas. Não ficariam por certo indiferentes se eu fosse "eternamente infectado por uma merda qualquer"...
Há coisas em que temos mesmo que pôr trancas na porta! Mas vou continuar a deixar o coração aberto porque é maior a tristeza de tê-lo sempre fechado, que a de ter que o reconstruir após a devastação.
Beijinhos, Blondy.

11 December, 2005 13:14  
Anonymous Anonymous said...

ups, esqueci-me de assinar o comentário...

11 December, 2005 13:17  

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