Canela a dois
É um pedido que sei que vais respeitar. Bebe o licor de canela sozinho, em várias doses mas como uma toma única diária, ou seja, de uma só vez mas aos golinhos. Lembra-te de mim, assim que escorregarem as primeiras gotas do recipiente para o cálice.
Sente-lhe o cheiro e recorda-me. Deixa-o percorrer-te, como nunca mo permitiste, e sente. Sente sem pensares na instabilidade, na facilidade com que se evapora - se o deixares muito tempo sozinho. Sente sem pensar nas consequências de o beberes em excesso e todo de uma vez. Cheira-o como se não houvesse amanhã. Sem medo de o perderes ou da cirrose que poderás vir a desenvolver no futuro pelo abuso crónico.
Vive-o. Vive-o, esquecendo as amarguras, as desconfianças. Vive-o como se fosse a tua metade, como se não pudesses viver sem, como se fosse o teu mundo. Sem o pesares na balança. Porque se ponderares tempo demais ele evaporasse e vais estar a sentir um sabor alterado, não original, só comum.
Agora, degusta-o. O que te parece? Bem melhor assim. Puro, em sangue, como se te comesse por dentro. Não sabes se é ele que te penetra, se és tu que entras nele. Envolvem-se, pronto. Difícil dizer onde começa um e acaba outro. São simbióticos, ele nasceu para ser bebido e tu para o beberes, para o saboreares. Canela a dois, também tu tens canela, não é só o licor. A vida é diferente, tem um travo especial.
È assim que tento engolir-te, aos poucos. Despeço-me mais um bocadinho de cada vez que nos vemos.
Durante o período em ingeres o licor, pensa em mim e no que perdeste sem o meu olhar. Vais sentir o sabor da canela a desvanecer-se na tua boca, na tua vida. Ou não. E então diz-me que não o amaste, que nem mesmo gostaste e que passas perfeitamente sem o voltar a provar. Diz-me não, escreve, escreve de forma a que te sinta. Escreve para mim e não ao mundo. Em que é que sou menos que o mundo? Escreve para em fazeres apagar a amargura que sinto quando te penso, quando te ouço, quanto te leio. Escreve para arrancares de mim o desgosto que sinto quando o calçado arrumado no teu armário novo não é o meu. Escreve para que volte a gostar, para que a amizade supere a raiva, a revolta, a descrença. Escreve para que renasças em mim. Escreve para que não te acha covarde. Escreve para que acredite que a culpa de não seres feliz é do mundo e não tua. Escreve para que acredite que não encontras o que procuras, apesar de procurares e de arriscares, porque os outros, as outras, não estão disponíveis para o que procuras e não porque tu não és, não dás, o que procuras e portanto nunca vais conseguir encontrar. Escreve para que acredite que estás a procurar no sítio certo. Escreve para que acredite que fui diferente. Escreve para que acredite que não traís aquilo em que acreditas. Escreve para que acredite…que vou ser feliz.
Não. Ainda não te engoli. Estás empactado na minha orofaringe e asfixias a minha vida.
Sente-lhe o cheiro e recorda-me. Deixa-o percorrer-te, como nunca mo permitiste, e sente. Sente sem pensares na instabilidade, na facilidade com que se evapora - se o deixares muito tempo sozinho. Sente sem pensar nas consequências de o beberes em excesso e todo de uma vez. Cheira-o como se não houvesse amanhã. Sem medo de o perderes ou da cirrose que poderás vir a desenvolver no futuro pelo abuso crónico.
Vive-o. Vive-o, esquecendo as amarguras, as desconfianças. Vive-o como se fosse a tua metade, como se não pudesses viver sem, como se fosse o teu mundo. Sem o pesares na balança. Porque se ponderares tempo demais ele evaporasse e vais estar a sentir um sabor alterado, não original, só comum.
Agora, degusta-o. O que te parece? Bem melhor assim. Puro, em sangue, como se te comesse por dentro. Não sabes se é ele que te penetra, se és tu que entras nele. Envolvem-se, pronto. Difícil dizer onde começa um e acaba outro. São simbióticos, ele nasceu para ser bebido e tu para o beberes, para o saboreares. Canela a dois, também tu tens canela, não é só o licor. A vida é diferente, tem um travo especial.
È assim que tento engolir-te, aos poucos. Despeço-me mais um bocadinho de cada vez que nos vemos.
Durante o período em ingeres o licor, pensa em mim e no que perdeste sem o meu olhar. Vais sentir o sabor da canela a desvanecer-se na tua boca, na tua vida. Ou não. E então diz-me que não o amaste, que nem mesmo gostaste e que passas perfeitamente sem o voltar a provar. Diz-me não, escreve, escreve de forma a que te sinta. Escreve para mim e não ao mundo. Em que é que sou menos que o mundo? Escreve para em fazeres apagar a amargura que sinto quando te penso, quando te ouço, quanto te leio. Escreve para arrancares de mim o desgosto que sinto quando o calçado arrumado no teu armário novo não é o meu. Escreve para que volte a gostar, para que a amizade supere a raiva, a revolta, a descrença. Escreve para que renasças em mim. Escreve para que não te acha covarde. Escreve para que acredite que a culpa de não seres feliz é do mundo e não tua. Escreve para que acredite que não encontras o que procuras, apesar de procurares e de arriscares, porque os outros, as outras, não estão disponíveis para o que procuras e não porque tu não és, não dás, o que procuras e portanto nunca vais conseguir encontrar. Escreve para que acredite que estás a procurar no sítio certo. Escreve para que acredite que fui diferente. Escreve para que acredite que não traís aquilo em que acreditas. Escreve para que acredite…que vou ser feliz.
Não. Ainda não te engoli. Estás empactado na minha orofaringe e asfixias a minha vida.
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