Sunday, March 26, 2006

Despojos da maré


O problema é que não me realizo a ajudar. Fazia disso a minha vida. Trabalhava pela recompensa de um sorriso, de um obrigado, agora não em apetece. Estou desmotivada, tudo me parece inútil, todos os esforços não me fazem sentido, tudo desprovido do que quer que seja. Mas continuo na versão piloto automático, com muito receio de errar por não acreditar em nada, com muito medo de cometer um erro grave, de deixar para trás, de me perder, de ninguém me encontrar. Não me revejo na forma como ajudo, pareço imune ao mundo e ao que ele me transmite. Fico triste porque devo ficar triste, sorriu porque sorrir é conveniente, vou trabalhar porque tem que ser. E só consigo pensar que estou completamente louca, porque tenho tudo para ser feliz. Estou num estado de insatisfação permanente, se todos ficam satisfeitos com a conquista, eu respondo ao mundo que vejo conquistado com agressividade, reajo ao mais banal dos pedidos como se me devessem alguma coisa, como se a vida me corresse muito mal, como se me custasse muito a prestação de um favor, como se não fosse essa a minha obrigação. Quando me apercebo da prepotência, da agressividade com que respondo travo-me e deixo-me marcas profundas no porquê do que me sai. Em adiamento continuo do que me move...não estou bem...

Prisioneira




Nunca fiz um pedido de ajuda tão sentido e nem sei o que procuro. Sinto-me alienada, ausente, vazia. Nada do que faço me faz sentido, tudo parece vazio de lógica. Estou em permanente angústia e nem sei porque.

Espero a toda a hora que um dedo comprido e elegante, de unhas arranjadas, fure o cenário da minha vida, que comece a rasgar o papel pelo céu, que faça sangue, que se mostre vivo, que abra alas a um novo mundo, um mundo diferente onde me sinta em casa. Que percorra veloz e agressivo a tela falhada que me cobre, arrastando consigo o cheio dos meus dias, permitindo-me recuperara o que nunca tive, paz.

Sinto-me estranha, incrédula, alucinada e ainda não me internei compulsivamente porque não perdi, ainda, a noção do lado louco da guerra que vivo, e o lado louco sou eu, definitivamente eu. Sinto-me a percorrer em completo desequilíbrio a estreita linha que sempre me separou do outro lado. Sinto uma enorme vontade de provar, de parar de resistir, de deixar a gula vencer, afinal de contas era só mais um pecado, de espetar o dedo sobre a loucura e chupar baixinho, para não assustar ninguém e quanto menos lógico escrevo mais sentido me parece ter e tinha saudades, tinha saudades de vomitar palavras.

Thursday, March 16, 2006

Destiny



Nada do que o destino, e não a forte vontade, decide pode ser contado de forma inteligente.

Wednesday, March 15, 2006

Só sentido, sem qualquer nexo


Irrita-me a inactividade de quem não tem o que sentir. Irrita-me a inércia. Caramba, mas quanto tempo pensam que temos! Irrita-me a subtracção das decisões sobre os dividendos da morte anunciada. Não há remédio, ela chegou e não há quem nos valha. Está para ficar e temos que conviver com ela todos os dias, a cada refeição, a cada sorriso, a cada desespero e se não a podes vencer junta-te a ela. Vem. Chegaste? Já não vais partir? Então chega-te porque vou fazer-te a vida negra. És para sempre, agora somos nós, depois vão ser só vocês, sem hipótese de dividir momentos, de matar … que ironia, matar saudades, então espera porque não vais ter tréguas. És tu que vais ganhar, não há guerra que possa vencer, mas venço-te todas as batalhas que conseguir. Vais sair ferida, pouco recordada e ignorada. E nada pior do que ser desprezada, do que não ser recordada, mais vale recordarmos o mau, do que nem sequer nos lembrarmos e vai ser assim. Não me lembro da morte ter passado pela tua vida. Não me lembro mesmo. Lembro-me do sorriso, das faces rosadas, do cheiro a comida lá em casa, lembro-me da tua luta, lembro-me de como era lindo o lenço que te dei, mas não me lembro de teres morrido. Raios parta quem não a vê à distância, quem se esconde por trás do muro de execução e não nos deixa trepá-lo e ver mais longe. Raios parta quem tem tanto medo de ver sofrer que ignora a vontade, o respeito, o desejo, a luta. Raios parta quem não se dá ao trabalho de estar para ver sofrer. Quem somos nos? Para que estamos por aqui? Que venha quem nos quiser levar, porque eu, garanto, vou sempre dar muita luta. E não há quem ou o que me demova. Ser grande é só ser gente e ser gente é só estar aqui para ver sofrer…

Wednesday, March 01, 2006

Cidade de anjos


Eles andem aí! Quer queiramos, quer não queiramos, eles andem aí. Povoam esta e outras cidades, cumprimentam os dias no inicio das noites e oferecem-nos cafés nos pontos mais inesperados da cidade. Cafés que insistentemente declinamos e que agradecemos com gentileza, como se a gentileza pagasse dividas nas saudades de um grande amor... Agarramo-nos ao que temos com a força do ontem, do hoje e do amanhã e muito dificilmente cortamos amarras com o que nos valeu. Ainda vale? Não! Mas valeu tanto...

E o café até é gostoso, é novo, não trás borras, não sabe a queimado, entornado, sobre a mesa que nos apoia os braços, desenha uma linha de vida, como aquelas que nos rasgam a palma das mãos e nos falam do tempo. E se não corrermos apressados a reparar a queda da chávena, ensopando o café que agora percorre os dias, mudamos o destino e a linha estende-se, escorregando pelo verde do ferro velho da mesa, enferrujada pela agressão continua do isolamento, e trazendo novos tempos. Só temos que nos permitir experimentar o café senão nem teremos a oportunidade de o derramar quanto mais de o deixar escorrer...

São servidos de um cafezinho?