Wednesday, November 30, 2005

Lost


Outro dia, já não sei quando, o trabalho come-me o tempo e nem acha indigesto, achei-te bonito. Gostei do teu sorriso, gostei da tua postura. Não consegui ver o teu olhar…

Outro dia achei-te diferente dos outros dias. Já há muito tempo que não te “via”. Gostei. Gostei de te voltar a ver. Mas não vi o teu olhar. Este perdi há muito, muito tempo.

Outro dia achei-te iluminado e apeteceu-me um daqueles abraços fortes, mas esses braços já não são meus.

Outro dia encontrei-te de novo, mas eu continuo perdida.

Híbrido




O meu pai menor não se identificou com a designação. È um ser diferente, não é meu pai, não é meu amante, não é meu amigo. Não é, nem NUNCA vai ser.

Atenção que eu aprendi a não usar o NUNCA com leviandade, pelo que, sei bem o que estou a dizer. Não vai ser meu amante ou meu amigo e parece que também não foi meu pai.

Conclusão, metade de mim nasceu de um híbrido que não me é nada e que está morto. Está morto mas não é fantasma. Os distraídos que não se enganem, porque este híbrido é de qualidade, é híbrido até depois de morto. È um híbrido sem alma, que não assombra. Mutação pouco frequente. Será resultado de que cruzamento? Ainda não consegui perceber a mistura. Tem uma pitada de descrença, um toque de distância e muita, muita racionalidade. Tem uma bola de cristal no lugar do coração e adivinha o futuro. Tem nome de sapo e mais parece sapo do que príncipe. Mas cheira e sabe a príncipe. È mutante, tudo é disforme, desprovido de lógica e repleto de insatisfação. Mas eu sou-lhe metade. Encaixamos como ninguém, somos as duas peças únicas de um mesmo puzzle. Sou-lhe qualquer coisa que ele também me é.

Só temos que descobrir o que somos e viveremos em paz e felizes para sempre.

(Innocence)

Hipnose




“estado ou condição de consciência que ocorre quando determinadas e apropriadas sugestões provocam uma alteração ou distorção da percepção, memória e humor”

(Orne & Dinges, 1989)

Descobri. Estou hipnotizada. Esta minha noção distorcida da realidade tem uma causa. O que eu não consigo ver e só eu não consigo ver, porque é visto por todos, tem uma justificação. O eu ver elogios, amor, respeito onde ninguém vê é resultado de uma técnica astuta, algo obscura. O técnico que a pratica é experiente e eu estou gravemente hipnotizada. O técnico morreu e hipnotiza-me do além. Está longe da realidade, dorme nas nuvens e portanto não lhe pesam os sonhos não concretizados, o desejo armazenado, a tristeza diária. Não lhe pesam os dias, sem nada, vazios. Arrasta-se leve, leve, pelos corredores da morte.

Miga, não fiques triste...


As pessoas são o que são, com ideias boas, comportamentos médios e percursos de vida que as torna, muitas vezes, insuficientes. Não são o que dizem, são o que fazem. E é muito difícil ser-se, quanto mais ser-se o que se defende com unhas e dentes. É muito difícil fazer aos outros aquilo que queremos que façam para nós. É muito difícil quando nos apercebemos que isso não acontece e é ainda mais difícil aceitar que isso não acontece.

É muito mais fácil pensar, pensar e discursar, sobre o que faria de nós seres Humanos e sermos símios. Só porque os outros também são, justificando assim os nossos comportamentos, com o que os outros não fazem, fazem ou deixam por fazer. Existência em sublimação, nem água, nem ar, nem peixe, nem carne. Olha nem nada.

As gentes perdem-se no emaranhado do dia a dia, perdem noção do que andamos aqui a fazer, não que eu saiba, aliás, sempre me questionei muito sobre isso. Não sou católica, não sei se acredito em deus, mas sei que acredito em alguns de nós. E se acredito na evolução, então para que existimos? Passamos por esta vida e só temos direito a evoluir isto! Não! Há alguma conspiração que desconheço. Não é dos americanos, é de algo muito maior. O que é? Não faço a mínima ideia, mas gosto de estar envolvida no projecto. O projecto tem resmas de variáveis confundentes, eu sei. É difícil seguir uma linha orientadora. Aquela cena de dar a outra face é para santo e nós nem humanos somos quanto mais santos. Somos símios.

Os símios funcionam em sequência, ou seja, a agressão de que foram alvo não tem que sofrer ricochete e magoar o macaco prima-dona. A agressão é engatilhada e a arma dispara em qualquer sentido. Até o pobre coitado que escorrega na banana é alvo. Estava em movimento e a queda é bem mais aparatosa. Não estava dentro do filme e aquele não era um argumento que conhecesse. Foi enganado no papel. Tu és o macaco que escorrega na banana. E nós encontrámo-nos aí. Eu já estava estatelada no chão. Escorreguei na primeira banana, tentei levantar-me várias vezes e fazer frente…mas a quem? Ao macaco prima-dona? Ao macaco pistoleiro? Fiz frente a todos e voltei ao chão. Agora sou eu, passo por ali e desvio-me pelo meio dos pingos da chuva. No meio daquele cenário de deserto, só chove para o meu lado e é uma bênção. Chovem gotas enormes, imensas, que me fazem querer continuar por ali assim, submersa num mar de achados. Achados de gente humana, a que os símios chamam inocentes.

Este período de raiva e desolação deixa-nos muito tristes, achamos que todo o tempo para trás foi perdido e perdemos a noção do que somos, do que conseguimos conhecer. Quase nos afogamos. Assusta-nos a facilidade com que nos enganam. Assusta-nos o facilitismo com que o fazem. Repele-nos a almofada onde descansa aquela alma e que, até àquele fatídico dia, podia ser a nossa almofada. Desenvolvemos escamas que nos tornam mais resistentes às balas, não indiferentes, é impossível, há sempre períodos de apneia, mas recuperamos e descobrimos tantas outras coisas em que somos evoluídos. Nós os símios…

Sunday, November 27, 2005

Eureka!




Ontem ou anteontem, já não sei, o tempo de trabalho roubou-me a orientação, um amigo dava-me uma nova opinião sobre o meu blog. Já tive posições mais ou menos entusiastas, mas esta é nova, o meu blog é narcisista. Parece que há dois ou três posts que denunciam a minha vaidade em mim e que o cúmulo do narcisismo está na fotografia de mim no meu blog.

Trato-o, o meu blog, por livingmirror, é um nome como outro qualquer eu lembrei-me deste. Já tinha outros significados, já tinha história e foi este que escolhi. Perante este nome próprio e porque a minha vida é um mar de coincidências (no fim de semana em que decidi que era este mês que nascia o meu menino, ouvi um amor próximo contar-me como gostavam de fotografar reflexos em espelhos e pensei eureka!) achei que a foto do reflexo de alguém vivo num espelho com passado, presente e potencial futuro era, sem sombra de dúvidas, a estrela no topo da árvore de natal, o caramelo do meu pudim... Escolhi-me a mim, como ser vivo. Talvez tenha sido este o erro. Não é bem verdade que ande viva, experimento um período de adormecimento afectivo, qual branca de neve, e por isso não ando viva, até ando meia morta. Foi este o meu único erro, a presunção de achar que estou viva. Ainda não, mas a vontade de voltar a estar é muita.

A fotografia foi pensada, ou seja, tirada à distância, sem muitas preocupações sobre a nitidez, num ambiente de média luz e contra um espelho que descobrimos num cafezinho delicioso em Évora. Aliás, ali tudo era delicioso. Eram deliciosas as paredes, com azulejos empilhados em história, os candelabros altos de ferro sobre a mesa, as janelas cortadas ao pormenor, com cortinas que nos traziam a imagem do antigo (o antigo tem uma imagem?), os cheiros, uma mistura de amêndoa, limão e canela (adoro canela!), os sabores doces, as gentes alentejanas, com o seu sotaque arrastado e ternurento, a temperatura de um forno de lenha que nos aquecia até a alma…E o objectivo foi conseguido. Das múltiplas fotos que tiramos, sim, porque também havia ficado combinado que teria que ficar séria, tratava-se de um assunto também ele sério, a minha alma (já está perdida, mas eu não conto a ninguém e ela passa por salvável), mas eu acabei por me rir múltiplas vezes, escolhi esta. Está desfocada e distante, de forma a não me sentir demasiadamente exposta. Na prática ficou a ideia, alguém vivo reflectido num espelho, porque pouco se percebe para além de que se trata de uma gaja aloirada e com barbela. Mas estou séria, passo até alguma serenidade. Que engano! Como se eu andasse serena. Bom, mas foi assim que saiu e foi assim que ficou. Desde já os meus maiores agradecimentos à fotografa, que aliás cedeu outras fotografias a este blog, a minha patines.

Quanto aos posts...sinto-me tão pouco viva que me preocupa saber se gosto de mim. Mas se consigo enganar o mundo e parecer ter vaidade em mim, vou no bom caminho. E eu quero. Seguir o bom caminho. O bom caminho é só ser feliz. Só? Como se fosse pouco conseguir ser feliz.

Gosto demasiado da vida para deixar instalar a morte.

Saturday, November 26, 2005

Afortunada


Tive dois pais. Em muito parecidos. Os dois carecas, os dois convictos. Os dois determinados. Os dois astutos. Os dois acham que a vida já lhes ensinou muito e que já é pouco o que tem para lhes ensinar. Os dois amam-me.

Mas completamente diferentes. O meu pai maior perdoa-me tudo, está sempre presente e vira leão par me defender. O meu outro pai…sim, definitivamente o meu pai menor, até porque de tamanho é também mais pequeno, escorraçou-me de casa ao primeiro erro, só pelo medo de ser enganado. Afastamento profiláctico.

Aprendi muito com os dois. A ser uma lutadora e a nunca desistir (às vezes vou além do que é razoável e isso não aprendi com eles é inato). A ser uma mulher. Com o meu pai maior aprendi várias variantes de mulher, a trabalhadora, a interessada, a simpática, a estudiosa, a decidida, a mulher líder, a mulher do povo. O meu pai menor é diferente, tem outros interesses. Com este aprendi a ser uma senhora, a ser inteligente, a ser sensível ao mundo e às artes, a ser social, a ser mais ponderada e a desenvolver planos de contingência.

Um é meu. Outro nem tanto. Um luta por mim, para mim. Outro não tem vontade de lutar por nada. Ou pelo menos é assim que justifica o seu aparente fracasso de vida.

O meu pai maior aponta-me o dedo quando erro, mas abraça-me com força depois e ajuda-me a fazer melhor. E quando consigo alguma coisa de meu, quando conquisto algo que anseio, fazemos uma festa e sou mergulhada em beijos de orgulho. O meu pai menor também valoriza os meus passos. Quando os considero meus, ele chama-me ingrata e mostra-me que são também muito dele. Quando lhe agradeço a ajuda, diz-me que o feito é só meu e que não há lugar a agradecimentos. Mas no fundo esse é só o papel dele. Ele é muito mais papel do que gente. Tem uma central nervosa diferente. Escolhe os botões certos, carrega no On e sai o papel impresso e assinada, tipo notificação, do que ele tem que ser naquele instante. E se passados uns segundos a central decidir que o papel dele é outro, então aquele botão passa a off e o indicado é rapidamente accionado, com imediata impressão das novas ordens de actuação. Gostava de ser mais emotivo, mais gente, escreve o que gostava de ser, o que gostava de ter, o que gostava de construir, de conquistar, mas infelizmente não é, não tem, não constrói porque não investe alto, e não luta para conseguir conquistar.

O meu pai maior é meu, eu sou dele e vamo-nos amar o resto da nossa vida. Eu e o meu pai menor vamo-nos amando, não sei até onde, não sei até quando.

Thursday, November 24, 2005

Alodinia

Termo novo, aprendi-o hoje.

ALODINIA: “ dor provocada por um estímulo que normalmente não provoca dor”.

Sinto-me alodinica, sinto dor por estímulos que normalmente não me provocariam dor. Apesar de antigos, os estímulos, parecem novos, ou antes renovados. Atingem-me com uma força diferente, nem sei se mais intensa mas diferente com certeza. Estímulos velhos, fracos, que habitualmente não me causavam dor...

Serão os estímulos ou eu? Quem será que mudou? E se não foram os estímulos? Estarei mais fraca e mais piegas? Estarei mais sensível, mais atenta, mais perspicaz? Estarei mais mulher ou mais menina e assustada? Estarei mais eu ou mais afastada daquilo que sou?

Quem terá mudado? Eu ou os estímulos? Provavelmente os estímulos, parece que eu não mudo...

Qualidade da dor


A minha é da melhor qualidade, daquela que moei mas não mata.

Daquela continua, persistente, que incomoda as noites e prejudica o correr dos dias.

Daquela tipo cólica com exacerbações lancinantes, intoleráveis, ou que pelo menos parecem, intoleráveis. Períodos de exacerbação que roubam anos de vida, quilos de inocência e resmas de alegria. Que arrancam esperanças e destroem expectativas.

Daquela referida, que se arrasta do coração para todos os outros segmentos do corpo. O segmento que pensa, o segmento que respira, o segmento que ainda vive. Sinto-me anencefala, fraca, sem capacidade para me levantar outra vez e lutar mais uma batalha. De erguer a espada e rasgar o céu com planos, crenças e atitudes. Sinto-me asfixiada, como peixe fora de água. Sofro a angústia de tentar fazer entrar um ar que não cabe. Como não cabe? Onde coube até agora?

Morrer asfixiado num mundo oxigenado é a pior morte. É a morte sofrida, é a morte sentida, percepcionada. É aquela que nos é apresentada atempadamente, com direito a recepção, jantar de cerimónia e digestivos, no final. É aquela que fica à porta, verborreica, a despejar informação, cheia de medo de voltar para a solidão e denunciando uma imensa vontade de nos roubar. È aquela que ouvimos com um sorriso espelhado na face, enquanto abanamos freneticamente o pé, ansiosos porque feche a porta e vá para longe, bem longe. È aquela que apesar de tudo, da nossa boa vontade, da nossa paciência, da nossa benevolência, e ainda do imenso amor que demonstramos conseguir sentir, nos arrasta com ela para o fundo, sem dó nem piedade, e que fecha a porta a trás, com força, não vá alguém querer salvar-nos da morte anunciada.

Há dor que não mata mas moei e é esta a da melhor qualidade.

Wednesday, November 23, 2005

Hora exacta de morte...


33 anos, a idade com que o senhor morreu. Tu morreste muito antes. Consegues saber quando?

Consegues saber se foi em tenra idade, à data do nosso primeiro desencontro?

Se foi quando não te casaste à primeira?

Se foi quando foste pai, demasiado cedo, de filhos que não eram teus, mas que adoptaste como sendo? Se foi quando te sentiste a partir uma família? Aquela que havias adoptado demasiado cedo, mas com a máxima convicção, e porque quem lutaste a ponto de quase perder a tua?

Já estavas morto quando morreu a tua mãe maior? Às vezes dou por mim a pensar que morreu de desgosto, de tristeza. Quem? Os dois. Ela por ti e tu...pelo mundo. Porque tu não te comprometes.

Os pés da minha mãe


Os pés da minha mãe são os mais quentes que conheço.

Não que sejam escaldantes, já me deitei com pés que me desassossegam o sono, que me deixam inquieta, com caimbras, a perna direita irrequieta e atrevida e muito, muito calor. Gosto dos pés assim escaldantes...

Já dormi com pés tão quentes que me sinto João Ratão no caldeirão, de tão incomodada. Estes tenho vontade de expulsar da cama. E agora que penso, nem me lembro da temperatura dos pés escaldantes.

Já me deitei com pés gelados. Dentro deste temos os realmente gelados, os meus são excelentes exemplares, e aqueles, que apesar de terem temperatura conservada, me gelam o coração, me trazem insónias de dor e de infelicidade. Detesto estes exemplares.

Os pés da minha mãe tem a temperatura óptima, nem demasiado quentes, nem demasiado frios. Tem a temperatura certa, no ponto, para me sentir aconchegada e protegida. Nas noites más só eles me trazem sossego.

Monday, November 21, 2005

Insónia por cuidados

Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, este alarme ecoa nas grutas da minha insónia...

Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, ele não te ama. Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, ele não te quer. Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, morreu nos braços de outra mulher.

Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, as noites demoram. Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, os dias não passam. Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, a vida não morre...

Mantém-se assim. A vida. Sobrevive ligada a máquinas. Máquinas frias, desconfortáveis, tão distantes e insensíveis. Sem funções cognitivas superiores, só respira, revira os olhos e contrai os músculos de forma dessincronizada. Até para quem olha é angustiante...

Está exausta, não quer mais. Quer desistir, mas não a deixam. Assim que consegue passar despercebida, corre, desesperada, para as portas do céu (ou do inferno ou de lado nenhum, quem sabe?). Mas o alarme estridente soa, Ti ni ni ni, ti nim, ti ni ni, ti nim, a avisar a desistência, a advertir da cobardia e a passagem é-lhe barrada. É-lhe barrada pelos batalhões de cuidadores que julgam estar a praticar o bem. Que acreditam estar a salvar uma vida.

Salva-la do quê? Está morta! Nem a atenção persistente, nem as batalhas ganhas, nem a vontade de ficar, a salva. Está morta! Quais cuidados intensivos? Quais intervenções precoces e atempadas?

Precisa de paliação. Precisa de alguém que a ajude nos últimos suspiros, que lhe transmita paz e estabilidade, que a ajude a morrer. Não de alguém que perpetue o seu sofrimento.

Não precisa de mim. Eu não consigo deixar morrer a vida, sem pelo menos, dar tudo, para a salvar. A minha não deixo. E revolto-me com a morte da dele. Não a aceito e se mais armas tivesse ela não se perdia. Será que depois de morta ganho o seu respeito? Será que depois de morta ganho o seu amor? Depois é tarde, já morri.

A caminho de casa...

...tive várias vezes vontade de deixar o 307 assumir o comando. Deixá-lo levar-me para onde quisesse. Deixá-lo decidir o nosso rumo naquela noite. Dar-lhe o volante para as mãos. Confiar-lhe as rédeas e qual burro com palas, bem grossas, deixá-lo conduzir-me. Mas não estava sozinha, levava o meu amor comigo e por este, pensando nele e no que ainda lhe falta viver, o volante não foi, mais uma vez do 307. Quem diria que compraria um carro impar. Ando a desafiar o destino, qualquer dia saí-me a sorte grande.

Foi um jantar muito agradável. Havia boa disposição, amizade, vontade de brincar e muito carinho. Tudo regado com excelentes caipirinhas, sim inha(s), e uma sangria diferente. Chamam-lhe sangria tropical. E de tropical tem muito, as frutas, o sabor, as gargalhadas...

Eu sou daquelas pessoas que se riem todas. Riu com os olhos, riu com a boca e como tenho lábios finos, estes quase desaparecem quando se abrem de orelha a orelhas. Riu com as bochechas, adoro esta palavra, BOCHECHAS. As minhas são das poucas partes do meu corpo que não são pálidas. Riem-se imenso, tanto que se lhe rebentaram, em tenra idade, umas manchas acastanhas, pequenitas, cheias de vontades e com vida própria, que dançam ao ritmo do meu riso. Costumam chamar-lhe sardas.
Riem-se estas, e todas as outras que tenho espalhadas pelo corpo.

Estou sempre, sempre a sorrir e quando estou muito feliz fico com um ar tonto e não consigo arrancar os lábios às orelhas. Muitas vezes me perguntam: “Porque ris?” E a minha resposta é sempre:”Não estou a rir, estou a sorrir.” Há muito que não me perguntam. Que não me perguntam porque estou a rir. Não tenho sorrido...

Mas hoje na companhia de amigos, de amigos grandes e muito bem regada, não sorri, sorrir é diferente, tenho que estar feliz, mas ri, ri muito. As gargalhadas foram estridentes, impróprias e desencadeavam gargalhadas paralelas. Despertavam olhares e sorrisos. Arrastavam os corpos em sincronia e olhares de censura, daquela censura de quem gosta muito, de quem dá por perdida qualquer tentativa de recuperação, graças a Deus! Daquela que existe para mostrar o quanto se gosta daquela pessoa. O quanto a diferença a torna especial. A proximidade que sentimos pelo conhecimento das características censuráveis daquela pessoa.

Onde será mesmo a minha casa?

Não! Não! Não!

Não tens pena? Não tens pena? Eu sei que não és galinha. Mas galo és e na chafarica mandas tu.

Não tens saudades? Saudades? Eu sei. Tens botões. Não sentes banalidades. Será que sentes de todo?

Não tens fome? Sabes? Tipo remoinho gástrico. Intenso. Parece que tens um furacão no lugar de uma estrutura de ruminante, qual vaca dos Açores. Mas na realidade é um quadro clínico compatível com saudinite, ou seja, infecção por saudades de amor, em último grau. Muito, muito mau prognostico.

Não tens desejo? Eu desejo. E não me consigo saciar com outro. Não há lugar a. Não vejo como. Não sei como consegues. Como consegues?

Não sentes dor? Dor por ter terminado. Dor por nem ter começado. Dor pela curva precipitada por atalho já conhecido. Dor pela falta de consistência. Dor pelo egoísmo. Dor por mim.

Não te dói doer-me? Não te angustia andar perdida? Não sentes uma vontade imensa de me aconchegar? De me dizeres: “Amor, vai ficar tudo bem...eu vou estar sempre aqui.”

Detesto incompetência!

Não! Eu odeio incompetência! Raios partam! Raios partam aqueles que andam neste mundo só porque sim. Que se arrastam nas suas funções com a displicência de quem não tem qualquer responsabilidade sobre aquilo que faz, que não faz, ou que deixa de fazer.

Raios partam os moles. Aqueles para os quais nada tem pressa. Aqueles que não tem culpa de nada, nunca! Aqueles que não podem dar a cara pela casa, porque ou não são os donos, ou não estavam lá na altura, ou etc., etc., etc... Ainda que pertençam ao staff, ainda que tenha sido um erro já cometido outras vezes, ainda que, inacreditavelmente, seja erro do próprio.

Raios partam aqueles que errando não pedem desculpa. Raios parta quem não tenta, sequer, remediar o erro.

Usam e abusam do tempo do utente como se existissem mil amanhãs.

Dois em um. Cada tiro cada melro, cada cavadela cada minhoca...

Sai a correr, porque o tempo é demasiado precioso para ser desperdiçado, e fui desempenhar tarefas necessárias. Tenho que ser eficaz e rápida, pensei.

Primeiro levantar a roupa que pus a lavar na loja do canito enrugado. Oito camisolonas de lã, daquelas que levariam séculos a enxugar e que ficariam atulhadas em borbotões se fossem lavadas em casa na minha Phillips. Ora, aqui vem uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, sete, sete, sete...cadé a oito? Hummm...estão a procurar...pois são oito, a última é das minhas preferidas. Mal me cabe na cabeça, é estreita ou sou eu que sou larga de cabeça. Mas a cor é crua, linda. Nem carne, nem peixe, nem salgado nem doce, nem água nem vinho, cru. Tem uma lista azulona, horizontal, e horizontal é sempre bom, a meio e tem as extremidades das mangas dobradas. Adoro quando as mangas não acabam no vazio de uma costura e se continuam por ali acima. Tornam-se mais acolhedoras.

Quarenta e cinco minutos depois continuava à espera da azulona, a número oito...

Nop. Por algum motivo, que eu não estava a ver bem, aquela comisolona linda, minha, com história e que deveria estar lavada, seca e passada há mais de quatro dias tinha desaparecido. Está bem que eles secam a roupa, o canito, coitadinho é demonstrativo, mas secam a ponto de ela encolher o suficiente para desaparecer? Bom, qual que, ok, terei que cá passar outro dia.

Foi a discurso seguinte que me deixou possessa. “Passe por cá amanhã que eu falo com as minhas colegas para ver se elas a acham.” Desculpa??? Claro. Passo amanha e depois e depois e depois, até que um dia a acham, ou não, e eu a levo para casa. Não tenho mais nada que fazer senão passar por cá todos os dias.

Que tal: “ Pedimos desculpa pelo incomodo. Podemos ficar com o seu tm para a contactarmos assim que encontrarmos a sua camisola? As nossas desculpas. E uma boa tarde.”

Não!! “Passe por cá amanhã que a gente vai ser se encontra.” Desculpa!! Já estou a ver: “Dr., como está o meu pai?; Médico: Passe por cá amanhã que digo-lhe se vive ou morre.”

Alguns metros à frente e poucos segundos depois, já tinha recalcado o assunto e encaminhava-me para uma fotocopiadora, qual verdadeiro pai natal, com a carta que o meu sobrinho me tinha ditado, escrita por mim e dirigida ao pai, ao Pai Natal. Aliás a carta é uma delicia, faz-nos esquecer qualquer adversidade, reparem:


“Uma prenda do spiderman, se faz favor, e um arco para atirar para o círculo. Também quero os amigos do spiderman, o veneno e o Ironman.

Preciso de mais babelades, se faz favor. Um digimon, para eu brincar, se faz favor.

Outra bola, se faz favor. Muitas coisas, muitas, muitas.

E um foguetão.

Fiz desenhos, gostava de ter uns brinquedos do Pokemon.

Também comi. Eu estudei, também brinquei. Também quero um avião.

Também confiei e fiz panquecas.


Obrigado, ate já. ”


Eu sei, o português deixa um bocadinho a desejar, os tempos verbais já se conjugaram melhor e as frases já foram mais completas e explicitas. Mas é lindo! A mim pelo menos parece-me. È a primeira carta que ele me dita, a primeira que eu escrevo e a primeira a ser enviada.

Bom, lá ia eu, a capuchinho vermelho do Pai Natal às fotocópias. “São dez cópias desta carta para o Pai Natal, se faz favor. Obrigado.”

Senhora em direcção à fotocopiadora. Senhora de volta ao balcão.

Pensei: “Não. Isto são borras. Nem o próprio Pai Natal, na sua magnitude e extrema bondade e compreensão, vai conseguir perceber esta carta. Não se vê nada.” Mas o que saiu foi: “Desculpe, mas estas copias estão demasiado escuras.”

Resposta: “É o standart. A Sr.ª não pediu mais claras. É o standard.”

Juro que não acreditei. Desculpa!! Onde está a câmara? Qual é a esquina em que a "magana" espreita? Tem que ser um qualquer programa de Tv. A seguir vão-me esfregar a camisa com laranja, vou ser cumprimentada por um aliene na bomba de gasolina ou transformo-me em sapo. Só pode ser, só podem estar a gozar comigo.

Tentei explicar, com uma calma incaracterística, inspirada na mensagem da carta que me havia sido fielmente depositada, que eu não tinha experiência com a fotocopiadora da casa, pelo que eram eles que tinham que experimentar e optimizar a imagem. Satisfazer o cliente. Conhecem? Trabalho em qualidade. Nessa altura intervêm o patrão que estava ali ao lado e diz-me: “É o standard. Nenhuma maquina de laser lhe vai fazer melhor.” Não!! Estão a gozar comigo e eu a ver.

“Desculpe, mas a sua maquina laser Xpto, não tem um botanito, não precisa ser grande ou multifunções, pode ser pequenino e passar quase despercebido, mas não terá, a maquina, um botanito que dê para diminuir o contraste?” Sim porque ele tinha e estava, com certeza, off.

Resposta do PATRAO: “Tem. Quer que repita?” Dúvidas??? Mas o que é isto?? Como ia o Pai Natal perceber uma carta que são só borrões. Mas qual é a dúvida??

Respondi:”Quero sim. Obrigado.”

Empregada: “São 3E20.”

Apressei-me a entregar a nota, queria sair dali rápido. Espera...mas quanto custa cada copia nesta casa? Não me digas que estou a pagar a incompetência da empregada e a burrice do patrão? E não é que era verdade. Que raiva!! E a nota já lá estava. Só pude fazer um discurso pomposo e demonstrador do meu desagrado – “É a primeira e última vez que me tem como cliente. Não pelo 1E50, mas sim pelo roubo e pela incompetência.” Mas a verdade é que ainda me estou a roer pela prontidão no pagamento. O que me teria dado um enorme prazer seria ter dito: “Temos pena! Fiquem com as 20 cópias. Como diz a canção: “Jingle bel, jingle bel, já não há papel. Não faz mal, não faz mal, limpam...”

Gente, eu sei que nem todos podemos ser e fazer o que queremos. Nem todos somos bafejados por essa sorte. Mas se levarmos a sério as nossas funções, se uma camisola não for só mais uma camisola, se uma copia não for só mais uma cópia, se aquele for o nosso trabalho, resultado do nosso empenho, se fizer parte do que construímos, corre melhor para todos.

Caramba!! Era a carta para o Pai Natal.

É a Lenda Que Embeleza a História

(Foto by Helder Maurício)




“Corria o terceiro quartel do séc. XVI e reinava o jovem D. Sebastião. A tranquilidade das freiras Xabregas do Convento de Santa Helena do Calvário, nesta Cidade de Évora, quebrou-se com a notícia da visita real. Foi um alvoroço com a chegada da comitiva.

A dada altura, um valido experimentado nas coisas protocolares, lembra à Madre Abadessa, que era uso oferecer um refrigério a Sua Majestade, sobretudo naquela tarde de Junho com o sol a zurzir na charneca. A monja respondeu com freático sorriso, que só havia “Pão Ralo”, azeitonas e água. E foi o que veio. O monarca comeu e apreciou.

Chegado ao Paço, despachou compensadora tença em benefício do pobre convento. Em agradecimento, a criatividade monástica, retribuiu com esta doce alegoria conhecida por Pão Rala, onde não faltam as azeitonas de massa pão escurecidas com cacau, que fez delícias do Régio Senhor e de todos nós.”


Esqueces-te-te de te lembrar de mim? De mim e do que trouxe à tua vida. De mim e do que tinha para lhe acrescentar. De mim e do que podias ter vivido. De mim...e também de ti...Fomos pois só uma lenda, sem história para contar?

Nop! Não te perdoo!!

Tu és tu? E tu és louco?

(Foto by Joca)


Devia estar a estudar, afinal é para isso que me pagam, mas não é assim que quero adormecer.

O louco é, por definição, aquele que perde a sua capacidade de relacionamento e, consequentemente, o sucesso nas relações inter-pessoais, prejudicando a sua existência bio-socio-cultural.

Louco é aquele que não cede à argumentação ou que cria um mundo próprio desprovido de lógica. Passo a explicar, o louco é aquele que não consegue sequer interpretar o que significa um prato de balança mais alto, ou seja, um louco faria uma interpretação do género: “Portanto, o prato esquerdo da balança desceu porque passou um anjo que lhe levou a alma, eu vi! O outro tem alma, mas cheira a defunto e não trás os sabões para eu o poder lavar! Gaita, não sei qual escolher! Talvez se me oferecessem uns sabões de alecrim eu aceitasse o prato da direita, afinal de contas posso eu ter alma se cheiro mal?” Percebeste? Nada! Exacto! O louco cria uma argumentação lógica mas sob substrato imaginário, irreal. O teu substrato é bem real, tu identificas os pesos que te direccionam, a todos os níveis (pessoal e profissional), e pesas os prós e os contras das tuas decisões.

A tua loucura não te prejudica. Talvez te atrapalhe, talvez te atrase, mas tu optas pelo que julgas melhor para ti, optas pelo que tem maior probabilidade de sucesso, ainda que não te traga grandes vitórias. Ou seja, moei mas não mata.

Também eu gosto de acreditar que sou louca, é como se assim encontrasse justificação para o que não acontece, para o que não vivo e para me manter longe. Desculpo a distância a que mantenho os outros com a minha loucura.

Tu não és louco, és concha. Tu és uma concha perfeita, como as que me mostraste numa praia, no dia em que descobrimos que éramos o amor. Talvez nos amemos assim, desta forma destorcida e meio louca, incompatível com a vida. Então o louco é o amor e não nós, without skills to survive.

Todas, as conchas, descobri todas. Guardadas no fundo de uma caixa, guardei não só a mais perfeita, que me acompanha todos os dias (ela e uma caixinha azul e rosa, com um total de três preservativos coloridos, da Benetton), mas também todas as outras. És então uma concha perfeita, fechada sobre si mesma. Núcleo vital reservado ao próprio. Acesso interdito!

“Atenção! Atenção! Tentativa de arrombamento…” – não, arrombar não resulta contigo. “Atenção! Atenção! Fuga de escape a estibordo, tentativa de intrusão de estranho ao núcleo, elemento não identificado na área. FECHA! FECHA! Veda as fugas, veda as fugas! Sem possibilidade de isolamento eficaz, senhor!! Retirar. Retirar.”

A distância que sinto será só minha? Estarás tu mais perto de outro alguém? Será só porque sou instável e imprópria para consumo que me manténs longe? Há alguém de quem te aproximes mais? Há alguém com quem te abras e a quem atribuas o real crédito para te ouvir? És tu, só assim, tu, com alguém?

Eu adoro falar-te e sou eu contigo. E enquanto eu fujo mentindo, quando te sinto a entrar na concha, tu foges com as meias verdades, não mentindo, apenas não contando tudo. Se preferires chama-lhe metade da verdade. É a isso que me referi em posts anteriores (se é que lhe posso chamar posts), nos quais te falava dos pesos nos pratos da balança. Não acreditando, que o juízo final havia sido resultado apenas dos pesos que caíram do prato da esquerda e na estabilidade do prato da direita. Prato onde já jazias morto, há muito, quando te encontrei. Chamo-te mentiroso? Penso que não.

"Porca Pig"


Consegui convencer os amigos e afins para a causa: “ Como podem fotografar-me sem que pareça uma Porca pig ?”. Tem corrido melhor, até porque em outros tempos eu, pura e simplesmente, não me deixava fotografar, pelo que não era difícil não correr mal. Em cerca de 100 fotos, amostra pouco significativa, há duas ou três em que gosto de me ver, ou seja, em que não tenho focinho de porca pig e onde até se percebe que não sou feia de todo. Não sou fotogénica, ponto. Não tenho remédio. Mas não vou, como é óbvio, deixar de tentar não parecer uma porca pig, girinha, mas porca pig.

Como diz alguém de quem gosto muito, a vida não é fácil e eu acrescento, se fosse difícil suicidava-me. Gosto de contra-sensos, gosto de dificuldades, gosto que me digam que não tenho cara de porca pig, pelo contrário, e que meio mundo deve andar completamente cego. Gosto que me digam que sou capaz e gosto de conseguir sobreviver ao que não consigo conquistar, mas prefiro, mil vezes, consegui-lo, a muito custo, verdade, mas consegui-lo.

Tenho um defeito, traço de personalidade, menos depreciativo, que me desagrada particularmente. Acabo por desvalorizar aquilo que é fácil conquistar ou o que sinto como conquistado, ainda que tenha todo o valor, ainda que seja grandioso, ainda que o queira. Se conquistado, sentido e vivido como tal, mais tarde ou mais cedo começa a perder interesse, mas eu não me deixo vencer, outro traço de personalidade, a teimosia. Deste passamos à baixa tolerância, segue-se a irritabilidade, and so on, and so on. Acabo por esgotar quem me acompanha e “cabum”, como que por magia, já não tenho que decidir nada, o próximo decide por mim e vai – se embora. Outro traço de personalidade, pouco corajosa… serei mesmo cobarde?

Pensando bem, porca pig talvez seja das minhas maiores qualidades. Acho que vou voltar a proibir fotos…Espera, assim estou a ser tirana, outro traço de personalidade. Reformulo: “ Caros senhores e senhoras, sugiro que não me fotografem dado que existe a probabilidade de desvanecerem a porca pig, com o aumento do número de fotos, e eu não me posso dar ao luxo de a perder, uma das minhas melhores facetas. Obrigado.” Estará melhor assim?

Não é, definitivamente, um pedido de ajuda...

…só um desabafo com alguém, que eu sei, que não vou angustiar. Hoje, choro a cada segundo de pausa, como se precisasse de correr para aproveitar os tempos de solidão e soltar depressa e rápido as lágrimas que me inundam. Asfixiam-me! Sinto-me peixe fora de água. Não sou peixes sou touro, algo de estranho se passa.

Sinto-me a desfalecer, como se a vida se despedisse aos poucos. Não vejo sentido, não sinto vontade, não me sinto viva. Se morresse, poucos seriam aqueles que sentiriam a minha falta. Verdadeiramente, a minha falta! Dir-se-ia, sem falsas modéstias: “ Tão jovem. Tão bela. Tão inteligente. Que pena!”. Mas não se ouviria:”Morreu o meu amor, a minha vida. Morreu o meu sentido. Morreu o meu mundo. Morreu a minha razão de ser.” Ninguém sentiria a minha ausência a cada segundo, a cada suspiro, a cada batimento, a cada garfada, a cada passo rotineiro. Ninguém sentiria todas as manhãs a ausência do meu beijo, do meu corpo, do meu calor. Ninguém sentiria saudade do meu toque, do aninhar dos corpos antes de adormecer, das carícias das minhas mãos, da ternura dos meus lábios. Ninguém deixaria de viver, ainda que um pouco, só um pouco. Morrer, um pouco, por alguém.

Dia triste, pequeno e sombrio, este. Hoje seria um bom dia para morrer. Curto, acabaria depressa. Se me dessem a escolher, escolhia morrer no Outono, com o cair das folhas. Adoro o cheiro a terra molhada, adoro os tons avermelhados das folhas já mortas, que jazem nas copas das árvores, como que enganadas sobre o seu estado vital. “Oi! Oi! Detesto ter que ser eu a dizer-vos, mas, já morreram, há uns tempos. Importam-se de ceder à realidade e caírem mortas sobre o solo?” Que angustia. Mortas e penduradas. “Podem magoar-se!” Não. Não se magoam, estão mortas, não sentem, só existem. Tem bilhete de identidade, nº de contribuinte, nasceram de gente e até tiveram avós, mas estão mortas. Só não caíram no tempo certo. “Teimosas! Ainda magoam alguém, alguém que passa desprevenido e vos toma como vivas e firmes.” Coitadas. Só se conseguem aperceber de que estão mortas quando se lhe acabam as forças e caiem desamparadas, e ainda assim, no breve segundo em que são arrastadas pelo vento, voltam a acreditar que estão vivas, que alguém as salvou. “Milagre!! Milagre!!” Mas estão enganadas, foi uma falsa esperança e caiem estateladas no chão onde passam os vivos que são, também, arrastados até ao solo pelo peso da descrença. E se magoam, muito, muito. Mas as folhas só não os conseguiram prevenir, também elas desconheciam, o facto, repito, o facto, de que estavam mortas, defuntas, cadáveres. Pobres folhas…se tivessem pedido ajuda a tempo…

Teria valido de alguma coisa?

Lobo vestido de pele de cordeiro


Admito que pensei que era meu, mas por um mero instante. Quando te questionei sobre o mesmo, já não era meu, era da tua avó. Foi só um milésimo de segundo de insanidade com recuperação muito rápida, voltei ao lado da linha que conquistei. Mas claro que o identificaste, só tu poderias achar, sendo o grande conhecedor de mim e da loucura que me caracteriza, que me poderia ter passado pela cabeça tal ideia.

Se um dia esperares por mim (LOBO: Quem? Eu? Temos algum assunto pendente? Um dia vais-me querer e não me vou autorizar a ter-te!; CORDEIRO: Porquê? Qual é o mal de agora? E se eu não esperar? E se eu já não te amar? E se não deixar que te voltes a aproximar? Tu partilhas o teu corpo, o teu espírito, fazes amor, com outra. Não vou conseguir voltar a sentir-te meu.), não guardes rancor pela saudade (LOBO: Saudade? Não sei o que é.; CORDEIRO: Não é rancor, é desencanto, é tristeza, é magoa, é abandono, é só, saudade.)Se mais tarde me vires (LOBO: Fecho os olhos com força para que não voltes a entrar em mim! Querias tu voltar a ver-me em pêlo! Mesoterapia? Jamais verás o resultado!); CORDEIRO: Não sei se o desejo. Sinto-me enganada no que vivi. Culpa minha que vi o que não existia. Ludibriei-me.), não penses que sabes de mim (LOBO: Sei de ti o que preciso saber! CORDEIRO: Não sei nada. Mas acredito pouco. Muito pouco, no que tu poderás vir a ser. Espero que até tu não saibas de ti, porque saberes o que fazes ou o que deixas de fazer, devia magoar-te, deixar-te morto.)E, se nunca puderes ter o espaço dos meus olhos, (LOBO: Nem espaço, nem tempo, nem nada! Perdeste-me para a vida! Burro! Nem conseguiste ver o espaço que tinhas nos meus!; CORDEIRO: Olhos lindos, que adoro, mas em que já não consigo acreditar. Não têm espaço para ninguém. Nem para ti. Perdeste-os algures no tempo ou no espaço, num mundo que não é o teu e em que não acreditas.)Guarda na memória o tempo que roubaste ao relógio,em que sonhavas comigo. (LOBO: Sim, sim, conta com isso! Apagar-te-ei na primeira oportunidade. Com o mesmo facilitismo com que deixaste de acreditar, com a mesma velocidade com que me penalizaste por um erro, com a mesma destreza com que te despedes. Faz-te Homem e diz-me que não me amas! Desiste definitivamente, não deixes em reserva, podes estragar a colheita! Burro!; CORDEIRO: Foi só um sonho, amor. Tu, tal como te via, não existes. E se exististe, eu perdi-te, no entra e sai da nossa vida. O nós que vi, mas não vivi aos 13, não morreu, só estava adormecido, mas mantinha todo o encanto. O nós em que acredito, foi desacreditado, a minha alma gémea, a alma que me acompanha desde os meus 13, tu mataste! Assassino! Mataste o nós! Espera. Ele só não existia, porque se existisse, tu não o conseguirias matar. Desculpa. É tão mais fácil encontrar um culpado.)

Eu não sou LOBO vestido em pele de CORDEIRO. Eu sou os dois. Consigo ser do mais meiga e fiel, tu sabes, eu já “tratei” de ti, com o zelo de uma companheira e a carícia de uma amante. Mas também sou lobo, matreira, teimosa, rude, perspicaz, ruim, mentirosa, defensiva, desconfiada… Não sou mansa, definitivamente… Se era mansa que procuravas, enganaste-te redondamente.

Luto por tudo em que acredito até onde o orgulho me permite e a vida me deixa. E quando esta me rouba o que eu tenho como meu, revolto-me, esperneio, pergunto porquê, tento perceber. E só quando percebo, descanso. Por isso não gosto da morte, não a percebo. Por não perceber, não estou em paz…

Mas como qualquer lobo, respeito o líder da matilha e sigo-o fielmente. O lobo teria sido teu, tu sabes domá-lo. Aliás, só tu o soubeste domar com a arte e o desempenho de um mestre. Mas nunca me conseguirias amestrar…

Será que é assim que és feliz? Será que é assim que confias? Quando te receiam pelo medo. Até pelo medo de te perder…cruel, não achas? Nunca vai resultar em respeito mútuo. E a ausência de equivalência, o desequilíbrio na balança do nós (tu e a companheira que te respeita, cegamente, mas por quem, tu, não tens igual respeito), vai-te, sempre, arrastar para longe, ainda que resistas. Mais vale arriscar a perda, do que viver morto…

Febre de contacto

Tenho tantas saudades que o teu corpo toque o meu.

Recordo a textura da pele. Recordo o calor dos corpos. Recordo a suavidade do encontro, o cheiro da entrega, o gosto da vontade.

Saudades. Saudades do tempo em que estes pensares ocupavam as 24 horas do meu dia. Saudades do sorriso, que se espelhava quando recordava, do súbito desejo que sentia, da pele arrepiada, do aumento da temperatura corporal, do sentir da vida. Do sentir uma imensa vontade de vida. De te ter, de te rever, de te falar, de te amar…

A saudade é uma doença portuguesa. Só nós sentimos a nossa saudade. Ainda não é uma epidemia, não é considerada uma ameaça mundial. Ainda não há casos de disseminação. Ainda não há registos declarados de contágio, de qualquer tipo, e ainda não se sabe a via de transmissão. Será oral, fecal ou sexual?

No dia em que descobrirem a ameaça que constitui a saudade falada em português, eu sou a primeira a ser abatida, tenho uma infecção em alto grau, já estive a soro e tudo. Mas o soro acaba-se. Tem vida própria, apesar de não parecer, fez as suas opções e foi à sua vida. Eu não fiquei curada. Foi apenas um, muito curto, tratamento experimental e o cientista responsável terminou com tudo à primeira complicação. O estudo foi terminado subitamente. Ficou provado que aquele que parecia ser o soro da vida era muito instável e tinha uma relação risco/benefício desvantajosa. A experiência terminou e eu continuo moribunda…

A perspectiva do abate nem me parece tão má. Já consigo perceber o que sentem as galinhas infectadas que abnegam ao resto da sua vida em prol da saúde mundial. Quem sou eu para ficar agarrada a uma vida que não me quer?

Canela a dois

É um pedido que sei que vais respeitar. Bebe o licor de canela sozinho, em várias doses mas como uma toma única diária, ou seja, de uma só vez mas aos golinhos. Lembra-te de mim, assim que escorregarem as primeiras gotas do recipiente para o cálice.

Sente-lhe o cheiro e recorda-me. Deixa-o percorrer-te, como nunca mo permitiste, e sente. Sente sem pensares na instabilidade, na facilidade com que se evapora - se o deixares muito tempo sozinho. Sente sem pensar nas consequências de o beberes em excesso e todo de uma vez. Cheira-o como se não houvesse amanhã. Sem medo de o perderes ou da cirrose que poderás vir a desenvolver no futuro pelo abuso crónico.

Vive-o. Vive-o, esquecendo as amarguras, as desconfianças. Vive-o como se fosse a tua metade, como se não pudesses viver sem, como se fosse o teu mundo. Sem o pesares na balança. Porque se ponderares tempo demais ele evaporasse e vais estar a sentir um sabor alterado, não original, só comum.

Agora, degusta-o. O que te parece? Bem melhor assim. Puro, em sangue, como se te comesse por dentro. Não sabes se é ele que te penetra, se és tu que entras nele. Envolvem-se, pronto. Difícil dizer onde começa um e acaba outro. São simbióticos, ele nasceu para ser bebido e tu para o beberes, para o saboreares. Canela a dois, também tu tens canela, não é só o licor. A vida é diferente, tem um travo especial.

È assim que tento engolir-te, aos poucos. Despeço-me mais um bocadinho de cada vez que nos vemos.

Durante o período em ingeres o licor, pensa em mim e no que perdeste sem o meu olhar. Vais sentir o sabor da canela a desvanecer-se na tua boca, na tua vida. Ou não. E então diz-me que não o amaste, que nem mesmo gostaste e que passas perfeitamente sem o voltar a provar. Diz-me não, escreve, escreve de forma a que te sinta. Escreve para mim e não ao mundo. Em que é que sou menos que o mundo? Escreve para em fazeres apagar a amargura que sinto quando te penso, quando te ouço, quanto te leio. Escreve para arrancares de mim o desgosto que sinto quando o calçado arrumado no teu armário novo não é o meu. Escreve para que volte a gostar, para que a amizade supere a raiva, a revolta, a descrença. Escreve para que renasças em mim. Escreve para que não te acha covarde. Escreve para que acredite que a culpa de não seres feliz é do mundo e não tua. Escreve para que acredite que não encontras o que procuras, apesar de procurares e de arriscares, porque os outros, as outras, não estão disponíveis para o que procuras e não porque tu não és, não dás, o que procuras e portanto nunca vais conseguir encontrar. Escreve para que acredite que estás a procurar no sítio certo. Escreve para que acredite que fui diferente. Escreve para que acredite que não traís aquilo em que acreditas. Escreve para que acredite…que vou ser feliz.

Não. Ainda não te engoli. Estás empactado na minha orofaringe e asfixias a minha vida.

Batota!

Cadé a inspiração? Continuas a escrever de memórias? Andarás feliz e por isso não escreves? Gosto imenso quando escreves, mas prefiro saber-te feliz. Só podes estar feliz, tens o que queres, o que escolhestes e, sob esse ponto de vista, a sorte de um rei. A vida não te sorriu em muitas outras áreas ou talvez tu não lhe tenhas retribuído com um sorriso tão aberto. Mas aqui não. A vida sorri-te e tu retribuis, retribuis de vontade, por opção, a olhar para o conteúdo que mais baixa o prato da balança. Rei e rico.

Já disse adeus, está dito! Muito dificilmente volto atrás, aliás, como também tu. Salvo honrosas e justificadas excepções. Tu conheces a prática. Talvez por isso, sem medo de estragar ou de perder, me solte e te conte o que não me autorizo contar a mais ninguém.

Quando penso, ainda com alguma frequência, penso, mas já sem qualquer esperança, crença, desejo, magia ou confusão. Penso com a certeza do que vejo e não com fé naquilo em que acredito. E quando penso, ainda me caem as lágrimas, as lágrimas, a inocência, a entrega… tudo no chão, deixando um cheiro de descrença e nostalgia. Como o primeiro dia de chuva depois de um verão ardente. Olha como hoje. Hoje a terra tem um cheiro particular, um cheiro que espreitava há muito, mas sem certezas.

Ainda me dói cada pingo de incompreensão, de descrença, de descrédito, de distância, de ausência, de omissão… mas também me enche um mar de alegrias e vivências. Tenho dificuldade em acreditar que foram vividas a dois, porque foram intensas, viciantes, vincaram o meu corpo e a minha alma (se é que tenho, alma, corpo não há dúvida), mas não te viciaram, não te trouxeram, não se ressuscitaram. Foste ressuscitado por outra musa, como que reencarnado, numa e para uma nova vida, com outras crenças, outros ideais, outros amores… sim, porque, chama-me louca, mas acredito que durante muitos anos, também pensaste já ter encontrado o amor da tua vida.

Enganado mais uma vez, a menina que tantas vez te apareceu e partiu, como se fosse assombração, era só isso mesmo, um sonho…

Revolto-me por não perceber, culpo-me por teres morrido e recuso-me a acreditar que tu, sim tu, escolheste o lado da balança que não desceu. Gostava que me contasses o que, realmente, o fez elevar-se. Gostava de perceber, não só as gramas que fizeram cair o prato da esquerda (sim, porque eu só podia ser o prato da esquerda, quer pela femininidade, quer pela cor politica), mas também as que fizeram subir o prato da direita… Não tenhas receio de me veres cair da balança, já não caiu, e ajudava-me ver o mito completamente desacreditado.

Eu sei que não parece saudável, mas hoje, eu gostava de te ouvir dizer qualquer coisa diferente, tipo: “Não te amo”. Em vez de junta-te ao clube ou o teu prato caiu e eu segurei-me no que já estava seguro, no certo, no estável. Ironicamente talvez assim te sentisse mais perto, te sentisse mais feliz, me sentisse mais livre para ser feliz…talvez. Ou talvez não, já tive mais certezas na minha vida, o que actualmente não me parece propriamente mau.

Hoje escreveria o resto da noite e falar-te-ia da decoração nova do meu quarto, no facto de me ter rendido imenso as férias, em termos de trabalho, de já ter escrito dois artigos, de estar quase a terminar o relatório do estágio, finalmente! De ter tratado de tudo do carro sozinha, de ter dispensado a ajuda do meu pai, de estar em maré-alta mas junto a um porto enorme e não presa num cais de abrigo. De ter conseguido um acordo fantástico com o seguro, de me orgulhar da minha autonomia, de querer muito, mas ainda estar longe de conseguir. De já ter o meu cartão da ADSE, contra todas as probabilidades, e de poder comprar os óculos, porque cada vez estou mais míope (aos 33 anos vou parir uma criança já com óculos, se sair ao pai e puxar à mãe). E até de já ter conseguido fazer alguns gráficos no Excel. Não todos! Alguns não estão a colaborar. Mas não tenho tido vontade, desde que me despedi que te sinto mais distante que a lua, com quem ainda converso todas as noites em que aparece, quando vou regar e falar ao meu bonsai.

Portanto só te conto os pontos de interesse: preciso de ajuda para escolher os óculos e para acabar o relatório. Sem outras novidades.

Deixa-me usar de um dos teus ensinamentos dizendo que escrevo com a impunidade por que tantas vezes culpaste a arte…também há arte má.

Maldita Vida!

(Foto by Helder Maurício)



Maldita vida, que levas quem amo, que roubas aqueles que quero para mim.

Maldita que me enrolas nas tuas redes e me arrastas para o fundo.

Maldita que não me deixas ser feliz.

Maldita que me tornas fácil de esquecer.

Maldita que fazes com que quem ama consiga viver sem mim.

Maldita que não me queres.

Morcegos em peregrinação

(Ali, ali! Morcego no canto superior esquerdo. Não estão a ver?)
(Foto by Helder Maurício)

Moram morcegos sob o candeeiro em frente à minha casa.

Durante muitos e longos anos julguei que fosse apenas um, que desenhava círculos em volta da luz. Ciclos perfeitos, com coordenadas precisas, passava sempre na mesma área e a uma velocidade extraordinária.

Julgava-o à procura de algo, determinado e astuto. Mas sempre na mesma zona, descrevendo a mesma rota, há tantos anos, e nada. Não estaria cansado? E que solidão. Não tem amigos, namorada, família? Talvez prefira a solidão da noite e o meu espreitar da varanda enquanto rego o bonsai. Admirava-lhe a persistência.

É como se saísse e entrasse deste para outro mundo e vice-versa, quando desaparecia na escuridão da noite. E a cada volta e entrada na escuridão, pensava: “Será que encontrou o que procurava e decidiu partir?” Não. Eram mais meia dúzia de segundos e ele tornava a aparecer à luz, negro e veloz, com a pontualidade que o caracterizava e parecendo manter a mesma determinação.

Mas afinal são dois, dois companheiros de viajem. Que voam com tal sincronia que parecem apenas um. Tão compassados que parecem uma só melodia e não duas e que no conjunto soam muito, muito bem.

Parece que pretendem ludibriar alguém, fazer acreditar que são um, somente um. Como se fosse possível seguir um caminho comum, não de um ou de outro, dos dois.

Lembrei-me dos morcegos do meu candeeiro quando um amigo me contou que o caminho para São Tiago de Compostela permite, ao longo de todo o seu percurso, caminharem dois, passo a passo, lado a lado.

Eu prefiro caminhar como os morcegos, como um só.

Transplante de vida


É muito difícil acreditar que te amo e ouvir-te falar do teu amor próprio. Como se tivesse grande importância no âmbito geral do que vivemos. Como se a estabilidade te trouxesse a felicidade, não apenas felicidade, "a" felicidade - aquela que procuras. Como se vivesses na, aparente, ausência de amor próprio.

Pois é, o corte dói e portanto vais deixar de comer presunto. Será que o sabor do presunto não justifica o risco de um novo corte? Qual será a dúvida? Tens é amor próprio em excesso e muito medo de ser magoado, como sabes que se consegue magoar. De te entregares, mesmo, e de te descobrirem e não gostarem. De seres tu e desiludires a ponto de levares à desistência. Pelo que, não és tu. Parece que és o louco mais social que se pode conhecer mas no fundo és só um amedrontado. Não social, socialmente desenrascas-te muito bem. Tens medo do que te dá vontade de viver, do que te desperta o receio da perda, do que amas. Se é verdade a tua verdade, que vergonha deves sentir por não me teres agarrado, por não me teres vivido. Por não viveres o que mais de 90% da população mundial nem sabe que existe.

Confunde-me conseguires viver assim. Confunde-me as saudades que não tens. Confunde-me as torres de Piza que ainda assim constróis. Confunde-me...destruíres um amor que existe, em nome do amor próprio que não tens. Susceptível? Yah!?

Como és instável precisas de segurança, em nome do amor próprio, que não tens e do amor que sentes por mim. Estou a ver. Ou antes, não estou. E só consigo querer muito mal à tua cobardia, desejo que morra, desejo enterrá-la! E nem vou limpar-lhe a campa e levar-lhe flores. Odeio-a até depois de morta! E não lhe dou a outra face. Isso é que era bom!

BURRO! BURRO! Que desperdiças as flores que a vida te trás em troca de nada. Espero que a vida te mostre o valor que tem e a bênção que é. Que numa reencarnação posterior, se tiveres direito a ela, porque se eu fosse juíza de uma qualquer comissão de transplante de vida, tu não terias direito a uma nova hipótese, uma vez que tens comportamentos auto-destrutivos e negligentes na vida que cursa, e que poderias voltar a desperdiçar a vida que alguém merece e deseja e que lhe foi privada, porque a fonte não dá para todos. Como os alcoólicos que são chumbados pela comissão de transplante hepático porque mantém hábitos alcoólicos. Porque há a hipótese de negligenciarem o novo fígado, um bem demasiado precioso para ser negligenciado. Tal como tu negligencias esta vida, que poderá já ser a tua milionésima hipótese...

Ideias fixas

(foto by Mano)



...Sou muito eu. Ideias muito fixas. Devia estar a estudar e estive a escrever-te até agora. Se chumbar, é só mais um curso, é só mais uma desilução para alguém,é só mais alguém que deixa de acreditar em mim. Só mais uma guerra perdida. É da maneira que desenvolvo a minha capacidade de resiliência. Muito, muito amargurada. Mas desejando-te, nos meus melhores períodos, muita felicidade. Não sei se algum dia conseguirei ser amiga. Eu sei que o pedido de espera não foi para mim, mas imagina, eu sou de ideias fixas. Não te quero, não conseguiria acreditar, mas consigo ter-me como tua muito, muito tempo. E sentir-me traída a cada presença estranha. Consigo odiar sapatos arrumadinhos e casacos pendurados no roupeiro. Consigo viver-te e recordar-te a cada passo, consigo não deixar aproximar ninguém, consigo, sozinha, sentir-me acompanhada. Consigo não te querer tal como tu não me queres...mas sinto raiva, raiva, muita raiva pela tua morte. E eu sou ateia, para mim, os mortos não ressuscitam! O meu defeito é ser muito característica e não ser fácil. Tive de novo a confirmação no Algarve. Pensando nisso, a frase: "Tu não és fácil, és muito exigente",já percorreu o país, de norte a sul. Vê lá que até tenho sardas na íris. O diabo marcou-me e disse: "Quem se aproximar desta loira não ganha o reino dos céus!". Com esta maldição como quero eu ser feliz?

Bossa


Bossa…

Porque é ao som de bossa que te escrevo.

Pequenino, e dirijo-me ao menino de 4 anos, que ainda deseja que a avó viva para sempre. Ela é eterna, vive em ti. Muito lutou para te conhecer. Não deixou que a tristeza a matasse quando lhe levaram o marido e depois o filho, só para te conhecer.

Com uma ânsia enorme de se rever em ti e de te transmitir tudo, os ensinamentos de vida dela e dos amores que a vida lhe tinha roubado, porque o tempo urge e termina quando menos esperamos. E ela, mais do que ninguém, sabia-o.

Das poucas vezes que coscuvilhei uma conversa entre as nossas duas mães maiores, a avó estava sentada na cadeira, na sua cadeira, e não no sofá da sala, com o corpo semifletido, o cabelo grisalho preso por um lenço negro e vestida de negro, como sempre, aliás, a fazer croché, enquanto partilhavam experiências de vida. A dor marcou-a, e a roupa tingida de negro, não mais a abandonou. No meio de muita troca de impressões, ouvi uma frase que me marca até hoje e que tenho registada no meu diário dos 13 anos: “Eu vivo para o meu menino”.

Também tu vives para ela… mas não por ela. Ela merecia ver-te feliz, merecia que vivesses por ela tudo o que a vida não a deixou viver. Merece as tuas memórias, merece o teu amor… Amor? Sempre amas uma mulher! Merece o teu amor tal como tu mereces ser amado.

Hoje, mais cansada do que ontem mas, concerteza, menos do que amanhã, resolvi pedir-lhe uma ajuda: “ Avó, escrevo-lhe para lhe pedir uma ajuda. Ajude-o a ser feliz, mais, ajude-o a querer ser feliz. Não o deixe desistir da vida. Diga-lhe que também tem muitas saudades e que ele é, e será sempre, o menino dos seus olhos. Conte-lhe como foi feliz quando ele foi feliz. Conte-lhe que na sua raça morresse quando se decide e não porque alguém deixa. Conte-lhe que decidiu morrer quando chegou a sua hora, tal como decidiu viver e criá-lo quando a morte lhe levou dois grandes amores. Conte-lhe como valeu a pena andar pelo mundo para o ver crescer. E como cresceu! Acredite! Conte-lhe como a felicidade se consegue do nada e que nunca vai ser plena. Conte-lhe como a vida renasce quando parece já não ter remédio. Conte-lhe que zela por ele e que lhe enxuga todas as lágrimas. Conte-lhe o que é ter um filho, amar incondicionalmente. Conte-lhe a felicidade que sentia quando o ouvia debitar mais uma das suas poesias. Imagine, um bisneto pestanudo e rebites, a declamar poesias aos 4 anos! Não o deixe decidir que vai morrer vivo. Por favor!

Será que me ouviu? Espero que sim. Porque sei que se conseguir ouvir-me vai ajudar até no que não puder. E se não lhe consigo falar? E se o amor não bradar aos céus?”

Se a ela não chegar o meu pedido, que chegue a ti: “Sê feliz”. Não vai ser fácil, eu sei. Às vezes surpreendo-me a pensar: “Como consegues, sequer, sobreviver!”

Cheios de espinhos


Cheios de espinhos, palavras feias e amargas que arremaçamos quando nos fazem mal, protegidos de tudo e de todos, até daqueles que nos amam, ou dos que amamos...

Gaja acha que tem um sexto sentido e depois é enganada a torto e a direito, porque acredita que é diferente e que fez o melhor, quando muitas vezes só complica...

A simplicidade dos dias perturba-me, sinto falta de qq coisa. Ás vezes quando nos vejo, desculpa, quando nos via, juntos, pensava: "Dupla imparável", do género cumplicidade máxima, simbióticos.

Que arrogante não é? Tu a dizeres-me que não te ensino nada e eu a achar que seríamos simbióticos. Já nos estou, estava, desculpa é a minha dificuldade no português, a imaginar, num qualquer jantar a agirmos em sintonia, sem serem precisas palavras para o acerto das tropas.

Apesar de todas as probabilidades contra, do afastamento, das vidas por cruzar, assistindo a isto tudo, gaja fica... Fica porque vê diferente...vê o estimulo, a dinâmica, a força, o desejo... Raios!! Este último surpreendeu-nos. Eu que achava que tínhamos uma relação platónica, assim psicocognitiva, e sai-me uma relação, desculpa, não é relação, sai-me qq coisa psicocognitivosensosexuada...

Era assim que me imaginavas?

O platónico quebrou-se quando perdeste a confiança. O que será que se mantém?

Não consigo deixar de pensar que ainda assim, que ainda que tenha traído a tua confiança (sabes que não vejo as coisas exactamente assim), foste tu que partiste, desta vez. Tal como eu fiz, outras vezes, nestes últimos 15 anos. Às vezes também em resposta a comportamentos que eu achei distante de simbióticos, distantes da percepção do sentimento envolvido, das decisões ou das posições tomadas. Ofendi-me e fui-me embora.

Depois, minha culpa, minha tão grande culpa! Que mesquinha e pequena fui. Depois já era tarde, tinha sido quebrado o encanto. Ou achava que sim. Anos e anos de distância, mas depois à velocidade da luz, recuperamos a magia que nos atinge sempre.

Aflige-me pensar que vou, para sempre, facto que começa a ser uma evidência, pelos anos que passam por nós e, claro, porque sou gaja e gaja complica, ou não, que te vou sentir sempre que estiveres perto, que isso não foi destruído.

Sunday, November 20, 2005

Homenagem aos Homens da minha vida

(Foto by Patines)


Homenagem a um pequeno grande Homem. Pequeno em idade, faleceu jovem, num trágico acidente de viação. Trágico é soft, numa merda de um acidente de vida que o levou sem que o mundo o pudesse conhecer. Grande enquanto Homem, enquanto amigo, enquanto amor.

O meu primeiro amor não foi este. Aconteceu aos 13 anos, por isso lhe chamo amor 13, e dura até hoje. É um caso raro de amorite crónica grave. Esperemos que não seja fatal. Para mim. Ele, infelizmente, já faleceu.

Bom, voltando ao Zé, era assim que se chamava, Zé. Na altura em que morreu eu morri com ele e durante cinco anos não vi mais ninguém à minha frente. Preocupei-me em saber o que tinha acontecido naquele fatídico dia, dia 13 de Março, raios partam os dias impares!! Tentei arranjar um culpado, como se isso mo trouxesse de volta. Mas tinha que existir um culpado. Culpei todos. Deus, os médicos, os porteiros do HSM que não me deixaram entrar quando ainda estava vivo...sim, porque eu e o meu toque, arrastando um mar de carinho e um céu de amizade, iriamos curá-lo. A meu pedido, um pedido humilde sussurrado ao ouvido de Deus,ele sobreviveria. Só muito mais tarde, cinco anos depois,e com instalação muuuuuito lenta, consegui assumir a morte como única culpada daquela que foi, para mim, uma grande perda.

Na altura prometi-lhe, sim, porque enfiei na cabeça que passava as noites comigo, qual sombra sobre o meu leito. Sombra em forma de árvore, seca, escura, negra, tal como tu, com tronco curto e grosso e galhos muito longos, tortuosos e completamente despidos de folhas, que me abraçavam e aconchegam o meu sono. Árvore à qual me confessava e que me protegia das intempéries da vida. Prometi-lhe ter um filho a quem chamaria Zé. Só Zé. Não José, ou Manuel José, ou António José, só Zé. Ainda não me esqueci desta promessa e se a vida se desenrolar como parece, se o meu destino for a solidão no amor, se vier a ser mãe solteira, se o nome do meu filho for só meu, ele, o meu filho, chamar-se-á Zé, apenas Zé.

É em homenagem ao teu nascimento que o meu blog nasce a um dia impar. Dia 19 de Novembro, dia do teu nascimento, dia do dia em que o mundo ficou mais rico. Dia em que o mundo conheceu um negro de pele cabrita, olhar meigo, corpo esbelto e escultural. Negro de cabelo carapinha, com muito orgulho. Altivo, orgulhoso, pouco conversador. Negro amigo. Negro meigo. Negro amor. Negro rebelde e traquina. Negro nascido de uma mãe. Negro sem pai. Negro fruto de uma história amarga. Negro criador de vida, alegria e vontade de viver. NEGRO LINDO. Que saudades...

É ao amor no masculino que dedico este blog. A ti, apenas Zé, ao meu amor 13, ao meu amor 7, ao meu pai, ao meu professor Fernando, ao meu chefe Mário...

A vós Homens que me ajudaram a crescer e que fazem parte do teatro da minha vida, o meu muito OBRIGADO.

Saturday, November 19, 2005

(Foto by Helder Maurício)


Talvez porque não te possa amar te odeie
(ao meu amor 13)

Ás vezes consigo odiar-te...

Eu sei que é muito forte. Eu sei que é feio e que não me fica bem. Eu sei que não tem a indiferença que procuro ou o respeito que, provavelmente, mereces. Mas não consigo sentir diferente.

Consigo também desejar-te muito mal. Que te queimes durante o banho quente e que sofras queimaduras de 2º/3º grau (a de 1º grau mata os tecidos e deixa de haver dor, este não é o grau que te desejo, não dói), que tenhas uma hemorragia cataclismica no estômago já morto e que te deixe uma cicatriz profunda, que descubras que és traído leviana e diariamente, sem dó, nem piedade, que te arrependas, amargamente, de teres desistido, que sintas em relação a algo que tenhas feito a culpa que me atribuis e que te acompanhe uma dor igual à que sinto por te ter desiludido.

Que morras vivo! Que morras, realmente! Não de conversa, de atitude. Para sentires o que é deixar de viver. Para sentires o que é deixar de ter esperança, fé, vontade de lutar por um grande amor.

Depois sossego e só desejo ser feliz.