Eu estou triste e eles morrem, morrem para que eu não morra. Melhor ainda, morrem à sede e sou eu que os mato. Morrem com sede de água, de atenção, de carinho. Morrem afogados em magoa, dor, tristeza, solidão. Morrem e eu adoro conseguir recuperá-los. Adoro ganhar à morte. Mas são raras...as vitórias, são raras. A grande maioria das vezes é ela que me ganha. Escolhi uma competidora de peso...
São os meninos dos meus olhos. Adoro tratá-los, adoro vê-los sobreviver ano após ano. Adoro vê-los ficar...pura e simplesmente ficam, não sofrem grandes alterações. Só precisam de ser regados na quantidade e tempo certo. Por acaso não é verdade, tem que ser regados em quantidade e qualidade, senão morrem, não perdoam atrasos. Mentira mais uma vez. Eles ameaçam morrer, sofrem imenso, demoram muitos meses, ás vezes anos, a recuperar, mas só após muitas agressões desistem. Tal como dizia ficam. Agarram-se à vida com se tivessem raízes..espera eles tem raízes, eu é que não.
Parece que não precisam de nós, parecem imutáveis, parece que subsistem sozinhos, parece que o nosso papel é pouco significativo, mas não. Sofrem poucas alterações, parecem sempre os mesmos, muito, muito estáveis, independentes, mas não são. A nossa passagem muito discreta pela sua vida é determinante. Somos o adubo que passa despercebido, camuflado pela terra escura e argilosa, mas essencial para que brotem. Somos a água que corre pelos galhos e que mergulha no solo, passa discreta, quase não se vê, mas é a fonte de vida da árvore. Somos os raios de sol que dão vida às folhas, que fazem nascer as flores e crescer os frutos. Somos companheiros de viagem. Temos um pacto, eu procuro sobreviver e cuidá-los e eles retribuem sugando-me a tristeza.
Chiuuuu... Não contem aos outros, é segredo, não quero ferir susceptibilidades, uma mãe, é uma mãe, não tem preferências, mas este é o menino dos meus olhos. É um dos mais antigos, está comigo há cerca de 8 anos e foi uma prenda de um grande amor. Já passou por maus períodos, é o mais sensível à minha tristeza, mas é também dos mais resistentes.
O bonsai da esquerda é o mais antigo e o que mais respeito. Já lhe chamo o resistente. A minha serisa era enorme, em estilo copa e esta comigo há 10 anos. Sofre de uma infecção crónica por fungos, infecção contraída por excesso de água, imaginem por culpa de quem... Quase me levou à falência com a conta do hospital e um belo dia resolveu ceder aos sucessivos ataques do fungo e morrer mais um pouco. Foi nessa altura que decidi, ou vai ou racha. Dei-lhe uma poda imensa, cortei-lhe parte das raízes e transplantei-o, completamente fora de tempo. Esteve em coma vários meses e de repente, um dia, um qualquer dia, eu nem estava particularmente feliz, aliás eu não estou particularmente feliz há muito tempo, começaram a brotar umas folhinhas verdes, verdes, nos locais mais austeros. Agora já não é em copa, será qualquer coisa tipo, bom, humm, bem, tipo indiferenciado. Mas é lindo de qualquer forma. Este é a prova viva da minha única vitória na luta contra a morte. Já tentei resgatar um amor mas ela levou a melhor e ele, o amor, de quem vou ser eterna amante, continua morto.
À direita estão os meus bebés, os meus mais pequeninos. Adoptei-os há pouco tempo, aliás roubei-os de uma grande superfície onde são vendidos ao desbarato e abandonados à sua sorte. Se pudesse salvava todos os que encontro, como não posso evito passar junto ao canil, onde esperam a morte ou alguém que os cuide. Esperam vivas, as desgraçadas, e são mortas aos poucos, tem uma morte sofrida. Dói-me quando passo e as vejo completamente despidas e secas, amontoadas sobre aqueles tabuleiros enormes, que mais parecem fornalhas. Já fiz inclusive queixa numa dessas grandes superfícies, onde encontrei as árvores completamente desnudas e com uma expressão de sofrimento que faria chorar qualquer boa pedra da calçada. Escusado será dizer que só serviu para salvar aquelas, tempos depois já lá estavam outras em agonia.
Adoro bonsais. Adoro meter a mão na terra, senti-la e cheirá-la. Adoro a floresta em casa. Adoro a variedade de espécies, de estilos. Adoro a estética da árvore. Adoro as formas. Adoro as rectas, mas amo as curvas, as tortuosas. Adoro a incógnita da orientação, do que é anterior e posterior. Adoro a poda, quase artística, não, definitivamente artística, com o toque pessoal de quem a poda, ao som do que a árvore lhe pede. Adoro a ideia de passagem de geração em geração. Adoro a ideia de troca de vida, de troca de amor. Adoro a promessa de infinito que trazem acoplada (o número de galhos tem que ser impar senão lá se perde a infinidade) e a história que levam ao próximo.
Estes são os meus meninos e assim que possa vou adoptar outros. Prometo.